Posso dizer que desde o afrouxamento definitivo do distanciamento social imposto pela pandemia um certo otimismo pairou sobre mim com respeito ao mercado de cafés especiais, apesar da catástrofe social, política e econômica que nos assolava, a impressão era de que passamos por isso, e devemos assim aproveitar.
Entendo que em um primeiro momento essa “previsão” de certa forma se concretizou, houve um certo boom no mercado de cafeterias e isso se mantém até então, mas não no mercado do café especial em si, pelo menos no jeito que eu imaginava ou idealizava.
Você pode estar se perguntando, todo mundo ama café, não para de abrir cafeterias de todos os gêneros possíveis e o produto está em alta. Onde está o problema ?
Exatamente no princípio mais básico, na falta de interesse em café brasileiro, de qualidade e sustentável. Eu pareço e sou repetitivo nesse tema, mas essa equação permanece desequilibrada e se os atores da cadeia não olharem para ela nós vamos repetir ao infinito os mesmos erros de sempre.
Café caro* + aluguel desconectado com a realidade + Má remuneração na cadeia + problemas climáticos = Um ciclo de dificuldades, consumidores mal informados, poucas empresas realmente bem sucedidas e a grande indústria esmagando os pequenos.
Maravilhoso mundo neoliberal 🙂
Eu dei essa volta pra dizer que me causa certa indignação a incessante busca por novidades no ramo das cafeterias e o quanto o café é rebaixado nesse processo.
Esse tipo de busca é antiga, existe e vai existir até o fim dos tempos do café, afinal todo mundo ou quase todo mundo quer reinventar a roda e ganhar notoriedade e dinheiro, o jogo é sobre isso também. Porém, nessa eterna ciranda de novidades o elo que é sempre diminuído é o café, puro e não tão simples e isso afeta todos, produtor, barista, consumidor…
Cappuccino com creme de avelã! mas e a qualidade do café? tanto faz né!
Parede intagrámavel? temos! mas e o café? Alguém liga?
A cafeteria que se parece restaurante? temos também e até tem café, olha só.
Matchá: tem menos cafeína é melhor pra saúde e é importado, assim, desse jeitinho, o produto é divulgado em cafeterias de especialidade.
É possível que alguém esteja me ofendendo agora, apesar da minha devida desimportância, mas tente entender aonde quero chegar. Existe ou deveria existir demanda de consumo para “todas” as pessoas, creme de avelã, matchá, torre de cheddar no café o que você quiser, mas o meu descontentamento vem daqueles que se dizem os portadores da palavra do café especial e vendem isso aos consumidores e para o mercado. Como eu falei antes, ganhar dinheiro é o grande objetivo da gincana, mas nem sempre é só sobre isso, há um compromisso e uma responsabilidade em ser um ator no café especial, que passa por nós, torrefações, baristas, degustadores. Comunicar, mostrar o que é valioso, raro e justificar tecnicamente porque nosso produto é mais caro, melhor e diferente.
Eu não sei dizer quantas vezes eu vi e ouvi o café ser desdenhado por aqueles que o vendem, afinal boa parte dos clientes não ligam ou não veem a diferença. O quão comum é um restaurante estrelado ter um café razoável pra ruim? E é aceitável um restaurante dessa “categoria” ter uma carta com vinhos de mesa? Por que a gente aceita o café como um produto qualquer? Eu tenho minhas dúvidas se esse cultivar tivesse origem de países ricos e desenvolvidos nós teríamos o mesmo olhar e percepção de valor que ele tem.
No fim, quando nem nós profissionais valorizamos e lutamos pelo nosso produto, produzido no nosso país, dentro dos nossos hábitos culturais cabe muito bem a percepção e piada de cafeteria e café superfaturado que nosso mercado ganhou. Parece até uma boa ideia vender matcha.
* nota: café caro não é sinônimo de produtos ou outras pessoas do mercado recebendo mais dinheiro
Até mais,
André Sanchez