Notas do barista – Provando café- parte 2

Compartilhando experiências no mundo do café!

Continuando o devaneio do texto anterior eu vou tentar exemplificar em palavras como é
fundamental a utilização do protocolo de prova dentro da rotina da torrefação.

O texto é sobre provar cafés, mas quero enfatizar processos de torra, pois ambas as coisas caminham juntas.

No auge da minha arrogância e cinismo eu pretendo ditar minhas regras, onde elas não deveriam existir!
Sendo assim, preparem-se:

– Torrar e preparar cafés não é mágica, sentimento e nem alquimia é CIÊNCIA, dedicação e disciplina
– Definitivamente não existe receita, é leviano e perigoso eu dizer que temperatura o café deve sair do torrador.
Existem diferenças enormes entre matérias primas e equipamentos, usar de parâmetro que são meus podem causar um incêndio em outra máquina
com padrões de medição diferentes
– Café é bebida, sendo assim, só há uma maneira de saber se a torra foi bem sucedida, PROVANDO! e obrigatoriamente usando um protocolo que seja coerente e eficiente
– Para ser um bom “mestre” de torra é indispensável ser um excelente provador, as máquinas estão evoluindo, há automação, apertar
botões é a parte “simples” do trabalho, o difícil é provar, decidir os caminhos e perfis que você quer levar para o café.
– Quando eu falo em provar não é beber por beber o café, além do uso do protocolo é racionalizar as possibilidades e entender a matéria prima.

Provando café
Provando café, em alguma das muitas etapas!

Saindo das regras que não deveriam existir, você ainda deve estar se perguntando sobre o protocolo de prova no dia a dia da torrefação, pois bem, vamos lá:

Como eu disse antes, nós não usamos receitas nem padrão de cor para torrar café, em outras palavras, cada café terá o seu próprio perfil de torra. O objetivo é extrair o melhor que o café tem a oferecer de acordo com suas características naturais. Até o momento que escrevo esse texto, eu me recuso a fazer uma torra escura em um café que tem características frutadas e florais, que serão mostradas com torras mais brandas, por exemplo.

Dito isso, como é criado esse perfil de torra? Ai meu jovem, é que a coisa fica interessante!
Para criar o perfil usaremos algo próximo a metodologia científica onde isolamos variáveis e faremos comparações entre amostras, as  “preferidas” serão selecionadas. Esse processo vai ser repetido enquanto deixamos os parâmetros cada vez mais “finos”.
Um tanto quanto confuso creio eu, vai ai um exemplo prático para melhorar o entendimento (ou piorar).

Vamos fingir que existem  somente duas variáveis para torrar café e elas são: 

– Temperatura : valor determinado em graus celsius , medimos a temperatura de entrada (quantos graus estará a máquina quando colocar o café)   e  de saída (temperatura final do grão na torra) obviamente a temperatura é acompanhada no processo todo de torra.

– Tempo:  o tempo que o café levará para atingir a temperatura final desejada 

Exemplo de torra: temperatura final 203 graus a 10 minutos. Simples, certo? 

Errado! Que fique claro que qualquer alteração tanto no tempo quanto na temperatura final irão mudar bastante o perfil do café. Podemos trabalhar com uma margem de erro de 0,2 graus para temperatura e 5 segundos para tempo sendo generoso.

A partir  dessa ideia básica de variáveis trabalharemos para criar o perfil de torra. 

“Mas oh Gran mestre de torra, como estabelecemos esses parâmetros para  começar os testes?” 

O melhor caminho  é falar com a empresa que fornece a máquina e perguntar qual o perfil padrão de testes deles, para ser ter uma ideia a primeira máquina que mexi a temperatura final de torra variava na casa dos 217 graus celsius, no meu equipamento essa temperatura significa café carbonizado, isso quer dizer o que?  Cada equipamento é de um jeito e tem seu próprio projeto, mesmo máquinas idênticas podem apresentar parâmetros diferentes por conta do sistema de exaustão etc… Portanto, fale com o fornecedor e torre a primeira batelada do novo café no padrão deles, (vamos criar um exemplo  em que as definições são: temperatura final  203 graus a 10:00 minutos). Após isso,  vamos isolar uma das variáveis  e mexer na outra. Exemplos: 

tf = temperatura final 

–  Perfil 1: 203 tf a 10:00 – padrão  
–  Perfil 2: 202 tf a 10:00 
–  Perfil 3: 201 tf a  10:00  
–  Perfil 4: 204 tf a 10:00 
–  Perfil 5: 205 tf a 10:00 

Depois de torrar as amostras ele vem aí: o protocolo de prova! Vamos esperar as horas necessárias e provar com todo critério possível este néctar que pode não estar muito bom. Vamos imaginar que gostamos mais do perfil 1 e 2 o que faremos agora?  Trocar a variável certo?

Errado mais uma vez!  A vida não é tão simples assim.

Agora é hora de afinar o números como dito lá em cima, se a gente gostou da tf a 202 e 203 é hora de usar as casa decimais possíveis de sua máquina exemplo: 

– Perfil 1: 202 

– Perfil 2: 202,2
– Perfil 3: 202,5
– Perfil 4: 202,8
– Perfil 5: 203  

Aí lá vem ele mais uma vez: o protocolo de prova. Espere o tempo necessário, prove as bebidas e decida o seu favorito. (202,5 para exemplificar) 

Agora que decidimos a tf do perfil, vamos mexer no tempo, exemplo: 

– Perfil 1: 202, 5 a 9:00 

– Perfil 2: 202,5 a 9:30 

– Perfil 3: 202,5  a 10:00 

– Perfil 4 : 202,5 a 10:30 

– Perfil 5: 202.5 a 11:00  

E volta mais uma vez  o protocolo de prova… 

Esse processo segue até escolhermos o perfil que julgamos o melhor para aquele café. 

E volta mais uma vez  o protocolo de prova… 

Esse processo segue até escolhermos o perfil que julgamos o melhor para aquele café. 

Veja à seguir, exemplos de curvas de torra:

As curvas mostram as variáveis tempo e temperatura, sendo possível perceber o que ocorre com o grão no processo de torra.


Agora, alguns pontos importantes para destacar:


– Antes que alguém me desfira ofensas, esse é o método que EU uso, fique a vontade para contestar, reavaliar e criar. Isso é fundamental para a cadeia e o mercado como um todo

– Existem uma série de outras variáveis para considerar , esse foi um exemplo “simples” para ilustrar um pouco do que fazemos por aqui.

– Esse processo é feito com cada café novo que recebo. Sem preguiça, coleguinhas.

– Óbvio que com o tempo e experiência é possível criar atalhos para ser mais ágil nos processos.

–  Assim como que vos fala o café infelizmente envelhece e é necessário ajustar parâmetros durante a safra.

– Os perfis de café que você não escolher,  pode vender como blend da casa, dar um nome divertido aos pacotes ou inventar alguma história. (Mas isso é um segredo nosso). 

Concluindo essa série de informações jogadas o que eu quero dizer, é que para ser um bom mestre de torra é fundamental ser um excelente provador, uma coisa está diretamente ligada a outra e mostra a importância do protocolo de prova (lá vem ele denovo).

Lembrando que para ser um bom provador é necessário muito, mas muito treino e disciplina… 

Até a próxima 

Bons cafés 

André Sanchez

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